Olhar para trás nem sempre é retroceder.

Olhar para trás nem sempre é retroceder.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

A balada do adeus.


Acordou sem ânimo. Banho, café, cigarro e a janela ainda emperrada fechavam o ciclo batido de seu acordar enfadonho.

Desceu pela escada, por recomendação médica e optou por caminhar até o trabalho, mesmo odiando o suor, que aos poucos escorria na sua face e ensopava a sua camisa.

Já sabia, de antemão, que a vida estava insuportável, mas não seria covarde a ponto de dar fim a ela, sabendo que algumas pessoas, poucas é verdade, não suportariam a sua ausência.

No caminho, teve a oportunidade de pensar em como seria a vida sem a sua presença. Pais, filhos, esposa, amores, paixões, amigos e inimigos, como viveriam sem a sua participação terrena?

Ao se deixar “deitar”, nesse divã natural, regado ao sopro do vento e ao balanço das flores, percebeu que estava praticamente só. Na verdade, a maioria das pessoas em sua vida, eram caricaturas do óbvio.

Uma legião de seres que navegaram em sua vida sem terem a percepção das suas necessidades e angústias. A verdade era que a sua melancolia era crescente, assustadora, forte e desafiadora.

Era necessário correr, não para o trabalho, mas para um ponto no mar, na terra ou no céu. Buscar uma referência que lhe permitisse saborear a sua verdadeira pessoa, sem capa, sem bom dia, sem fome e sem sede.

Olhou para trás e viu o fechar das copas das árvores, a abertura do sinal, o cheiro de terra molhada e algumas faces sem nexo, despudoradas e deformadas aos olhos de quem queria e precisava ver, além da pele.

Queria dançar a música dos sonhos, beijar a boca do universo, gozar para todos os gostos, vender tudo que representasse dor e ressentimento e viver, viver, viver, passo a passo, a construção de algo novo, milimétrico ou não, mas que fosse de raiz, forte, alimentado e promissor.

Para disfarçar o cansaço, parou em uma loja de flores. A branca ele pensou na paz que queria estar sentindo. A vermelha, o reportou para a dor dos relacionamentos e a amarela, com cheiro de morte, o enviou ao enigmático e para o questionamento: Por que a morte tem odor?       
  
Por um instante, olhou as pedras do chão, com timidez para o sol, com sofrimento para as chagas do seu corpo e deixou tomar conta de si, a vontade de ir embora. Na sua frente, nada mais atraente do que aquele rio. Frio ou quente, as ondas eram um convite a uma viajem, certamente sem volta.

Viajaria por tantos lugares, molhado, arrependido, mas com tempo de pensar. Debaixo d’água o silêncio seria a sua companhia. Não saberia quantos segundos ou minutos, por questão de instinto, resistiria ao toque final do óbito.

Pesou seu corpo no parapeito, envergou seu coração e braços, mas o apito da vida começou a soar forte. Um feedback veio em sua mente, veloz, com pressa e cheio de palavras. O início do som fez a decisão ser postergada por instantes, mas a vontade de ir, para o outro mundo, ainda era fértil e rendia frutos poderosos pelo seu corpo.

Naquele momento, a falta de apetite em viver era tão grande que era capaz de colocar em lugar secreto todos os apitos que pudessem impedir a sua partida.

Cambaleando no parapeito, feito um pêndulo, o nervoso começou a tomar conta de seu íntimo. Uma briga interna, a luz do dia, entre a vontade de morrer e os sinais de que a vida ainda valia à pena.

Seu externo começou a se envergonhar, pois por fora, a vida estava rolando, com estresses, luzes, alegrias e tormentos. As águas continuavam correndo pelo rio e o convite para a viagem estava ainda pulsante.

Em um determinado momento, as forças positivas, vindas do apito, começaram a vencer, mesmo que de forma tímida, as aterradoras vontades de partir precocemente.

Devido a isso, o sentimento de covardia apareceu. Covardia de não querer encarar os problemas, os amores, as traições, os desejos mais secretos e os imensamente mórbidos. 

A luta interna começava a ultrapassar a barreira do íntimo e da mente. Agora, já fazia o corpo tremer, pulsar e transparecer que havia uma ebulição interna, retratada na batalha entre a vida e a morte.

Voltar para casa seria uma derrota ou uma grande vitória? Saberiam seus personagens, que a sua volta era uma vitória e não um vexame? Seria recebido com amor, devaneios, gratidão ou com desdém?

Não queria voltar, qualquer que fosse a sua decisão. Queria voar rumo a uma vitrine em que as roupas disponíveis fossem substituídas por dois portais, morte e vida ou limo e paraíso.

Queria escolher o caminho, mas uma amostragem seria um alento, que transformaria a decisão em algo mais ameno, sem cores, sem dor e decisivo.

As águas do rio já não representavam uma corrente tão forte e a possibilidade de emergir e esperar o fim já gerava dúvidas pertinentes que faziam com que a reta da morte escolhida pudesse ser trocada por curvas com vida e esperança.

Recuou do parapeito, respirou, secou a testa com a mão e pensou em algo leve e extasiante. Veio a sua mente, o rosto dos filhos que o estavam esperando para um abraço e por lições de como não sucumbir às fraquezas.

Era hora de retornar ao eixo, apertar as fivelas, inclinar a cabeça e amar sem esperar o retorno. Fazer por alguém sem aguardar a recompensa. Seria um ser diferente, com defeitos, mas normal e sabedor, de que não há nada mais valioso do que a vida e a ponte que liga os desejos as concretizações é feita de fé e esperança.

Resolveu manter-se vivo, começou a catar os cacos, empilhou as ansiedades, cheirou as flores, tocou as árvores, voltou para casa, beijou os filhos, deitou os quadros e foi dormir.  

Foi sonhar com Deus e com os seus ensinamentos, afinal queria acordar e poder diferenciar, de forma segura, o concreto do abstrato, o branco do cinza, o falso do verdadeiro, o amor da paixão e a vida, da perdição.

Cláudio Andrade. 


Um comentário:

  1. Maior que a satisfação de contemplar o belo, é a capacidade de criá-lo. Parabéns por sua mais recente obra. É sem dúvidas – a meu ver – a maior expressão artística por você já apresentada.

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